<Volta a caligrafia de Nicodamus>
Vincúlia, 2 de búlis de 1081
Algo na nuvem mudou. Percebo nos clareados algumas alterações. Alguns parecem graves, outros solenes e outros chegam a dar a impressão de que estão angustiados. A maioria, é verdade, continua serena, mas mesmo essa serenidade não é a mesma: intensificou-se sensivelmente.
Algo em mim mudou também: imagino estar mais distraído, porque voltei a cair em atalhos desconhecidos, como frequentemente me acontecia nos longínquos primeiros dias que aqui passei...
<caligrafia de Valentina>
Vincúlia, 6 de búlis de 1081
Acabei de chegar do armazém da Luana! Fui buscar um pacote de vapor açucarado sabor nuvanja! Que delícia sublimada dos céus, não consigo parar de comer!
A Luana me contou que daqui uns meses vai ter seranata e que todo mundo vai se apresentar. Quero participar! Já vou começar a preparar a minha apresentação, estou com muitas ideias!
Agora vou lá levar pro Nico uns docinhos antes que eu coma tudo e também o presente que o vovozinho me deu. Quem sabe ele descobre como faz pra abrir? Eu já tentei de tudo e não consigo...
<volta a caligrafia de Nicodamus>
Gerísia, 7 de búlis de 1081
Enfim, Valentina, embora ainda com alguma relutância, decidiu-se a mostrar o presente que recebeu do ancião – foi em tempo: eu já estava prestes a abandonar minha atitude complacente para passar a pressioná-la.
Trata-se de curioso objeto multifacetado que parece ter sido forjado com fragmentos de folhas cujas ranhuras despertam a atenção. Embora pareçam naturais, tenho motivos para imaginar que foram na verdade produzidas pela mão do homem como recurso de escrita, pois se pode reconhecer uma espécie de padrão, com desenhos que se repetem segundo o que parece ser uma lógica bastante elaborada e – é preciso confessar – incompreensível.
Despenquei da estante os livros de criptoanálise, alquimia e nimbottanica. Devo encontrar aí material para decifrar a mensagem que esse objeto certamente traz.
<desenho técnico do presente do ancião>
Alúmia, 12 de búlis de 1081
Ainda nenhum progresso satisfatório com a mensagem do ancião. Já virei e revirei os livros de escrita antiga da nuvem que Valentina trouxe da biblioteca, e nenhum desses códigos parece trazer número suficiente de símbolos que coincidam com os que temos para identificar palavras de qualquer língua que já tenha sido falada em Clareada. Já sem esperanças de decifrar a mensagem, começo a sentir os efeitos morais e físicos das muitas horas que tenho passado debruçado sobre a escrivaninha.
Intriga-me o comportamento de Vale: há coisa de cinco dias parece ter se desinteressado do mistério da mensagem. Sai pela manhã, volta apressada, correndo direto ao seu quartinho e lá se tranca a tarde toda fazendo alguma coisa que produz curioso ruído.
Vincúlia, 13 de búlis de 1081
Hoje, estando eu mentalmente exaurido pelas investigações a que tenho me dedicado, decidi suspender os estudos e sair a campo. Nossa jornada foi novamente com Tico-Sanhaço, cuja companhia calculei que poderia desanuviar-me*. Mais uma vez, encontrando-me tão esgotado, sabia não ser possível fazer a trilha às ruínas, mas as saídas com ele são sempre extremamente proveitosas. É grande conhecedor dos animais de Clareada (em especial os passarinhos) e, por essa razão, desde o nosso primeiro encontro tem nos presenteado com valiosa contribuição para a pesquisa, uma vez que possui tão vasto conhecimento e disposição para compartilhá-lo.
Apontou-nos o dia todo o canto dos pássaros, recitando seus nomes e contando suas cores. Listou hoje, como em todas as nossas saídas, uma variedade de seres que ainda não tive oportunidade de ver e que, ao som de seus nomes, imagino com dificuldade como poderiam ser – como os eleflutantes e os pacosquitos. Por sorte (como sempre nos acontece em companhia dele), alguns deles encontramos pelo caminho com tempo bastante para observá-los atentamente. Além de inúmeros pássaros, duas libétulas, uma jibobelha e três filhotes de gueogartos. Apressei-me em anotar todos eles. Valentina também demonstrou verdadeiro interesse em conhecer os hábitos desses animais, tomando notas sem que eu precisasse pedir –comportamento que muito me surpreendeu.
Demos ainda com um sem número de salamandras. Já as havia visto na nuvem antes, porém não em tamanha abundância. Notamos ainda que hoje elas pareciam fazer algo nunca antes registrado em seu comportamento: tínhamos a impressão de que lhes saía compassadamente pela boca pequeninas chamas de fogo.
Durante a pausa para o almoço, falamos sobre um assunto que começa a permear todas as conversas em Clareada: a chuva final. Perguntei para onde Tico pretendia ir quando a nuvem desaparecesse. Sua resposta foi a de um verdadeiro explorador, apaixonado pela pesquisa de campo e pela oportunidade de cobrir os mais variados lugares existentes na superfície e na atmosfera da Terra: "Reino Horizontal. Linha onde brota sol. Lá ali ó. Viagem longa… Primo meu foi. Tem mais de 20 anos agora. Chegou ainda não. Ontem passarinho trouxe recado". Nessa conversa também comentou que, desde a chegada do novo ano, tem encontrado em seus deslocamentos lugares que lhe eram inteiramente desconhecidos no sublimatório. A informação é assaz digna de nota, pois Tico, em seu trabalho de levantamento da fauna local, percorre e conhece cada recanto da nuvem. Suspeito que cada lugar que ele diz nunca ter visitado antes seja de fato novo e tenha surgido precisamente durante o evento naturimbus que testemunhamos nas primeiras horas do ano (o que, confesso, põe-me mais tranquilo com o fato de que voltei a me perder em regiões que já pensava conhecer bem).
Ao chegar em casa, contente, mas fatigado, tirei as botas ansiando esticar os dedos dos pés e notei mais uma vez algo que começa a me intrigar: saíram-me de dentro delas uma porção de florezinhas amarelas. Tal fato tem se repetido frequentemente, como se de repente todos os dias fossem vitális.
*Não posso deixar de aqui fazer uma observação sobre o termo “desanuviar”, tão mais repleto de significados na nuvem do que no Chão que encontra-se entre os verbetes do pequeno dicionário que Alberto me deu. No Chão, sempre indica algo bom: tempo limpo, visão desobstruída, clareza de pensamentos, alguém que se tranquiliza. Na nuvem pode assumir, além desse, outros significados (até mesmo opostos) dependendo do contexto. O significado concreto é um termo técnico que indica a ação de sair de uma nuvem, temporária ou definitivamente, por opção própria ou pelo desaparecimento dela. Dele derivam significados abstratos, de forma que “desanuviar-se” pode significar “desapegar-se” e até mesmo “desacorçoar-se”, “sentir-se desamparado e sem esperança”.
<desenho técnico de animais mencionados>
<foto: os irmãos, Tico-Sanhaço e seus dois filhos>
<caligrafia de Valentina>
Alúmia, 9 de lufa de 1081
Acabei de colocar no forno uns biscoitinhos de gira-nuvem que aprendi a fazer com a D. Clara em Neve! São tão deliciosos, os doces de Clareada são os melhores! Pena que tem que ficar tanto tempo no forno. Vinte minutos é uma eternidade! E a gente nem pode ir fazer outra coisa enquanto espera porque depois de dez minutos tem que ir lá e virar os biscoitinhos pra eles ficarem dourados dos dois lados… Então eu vou escrever um pouco pra fazer o tempo passar mais depressa.
Hoje de tarde a gente vai visitar a D. Clara Aerada. Eu estou fazendo os biscoitinhos pra levar pra ela. Mas não é só isso que eu vou levar, não! Hoje estou preparada. Já separei o presente do vovozinho pra ela ver. Todo mundo diz que a D. Clara Aerada já está muito velhinha e avoada… Mas eu não acho nada disso. Acho que ela é uma das pessoas mais inteligentes que eu já conheci. E já que o Nico está tentando decifrar a mensagem usando línguas antigas, ninguém melhor do que uma pessoa antiga pra ajudar, né!
Ai, já passou o tempo aqui! Vou lá virar os biscoitinhos.
Pronto, virei. Mas acho que vou parar de escrever e usar o resto do tempo para preparar um pacotinho bonito pra eles. E para escolher a roupa que eu vou usar na visita. E para tentar fazer uma dobradura de gueogarto que faz muito tempo que eu queria aprender. E para arrumar minha coleção de botões.
<volta a caligrafia de Nicodamus>
Alúmia, 09 de lufa de 1081
Hoje, finalmente, consegui cumprir uma promessa que havia feito logo no início do ano: estivemos em casa de D. Clara Aerada. Desde que nos conhecemos, D. Clara em Neve aproveita cada oportunidade para nos dizer que sua tia insiste que eu e minha irmã lhe façamos uma visita.
Este encontro muito me interessava, pois D. Clara está entre as pessoas que há mais tempo vivem aqui e também entre as de idade mais avançada, de modo que não só trata-se de pessoa interessantíssima, como também tem muito que contar sobre a história da nuvem e os primeiros homens que aqui chegaram – história essa que venho tentando reconstituir com base em relatos pessoais. Conheço os fatos que estão registrados nos livros de História disponíveis na biblioteca local, mas interessa-me muito sabê-los pelos olhos de quem os viu, viveu ou os conheceu por meio de histórias contadas e recontadas por seus pais e avós.
D. Clara em Neve advertiu-me que a tia, já há algum tempo, vem se mostrando esquecida, mistura nomes, acontecimentos, refeições e pares de meia. Ainda assim, considerei válida a tentativa – pelo que fui recompensado em certa medida.
Fomos recebidos pela sobrinha, eu trazendo uma combinação de ervas para chá, Valentina carregando uma caixinha que deduzi conter bolachinhas de gira-nuvem que ela há tempos aprendeu a fazer com esta mesma amável senhora e que havia assado esta manhã (pensamento que logo se revelou equivocado, pois, as bolachinhas, ela as trazia em um saquinho de pano no bolso interno do casaco).
Sentamo-nos em torno da mesa, a chaleira cantarolando no fogo, as flores do dia espalhadas entre as xícaras e demos início a uma desanimadora conversa. D. Clara Aerada não podia levar a cabo nem um assunto sequer – e, muitas vezes, tampouco era capaz de começá-lo, pinçando-o logo pelo meio. “Minha mãe fazia, fazia. Sempre! Papai ia. Nunca se viu. Quem sabe? Ninguém soube. Eu conto, conto. Já contei muito! Mas preparo novo que vem que vai que espalha… Não digo!” Ia nessa toada a sua fala quando notou sobre a mesa a caixinha que Valentina levara. Certamente tomando-a por um mimo que lhe fazíamos, abriu-lhe a tampa e espiou o conteúdo. Seus olhos tornaram-se cristalinos.
Dentro da caixa, como eu imediatamente vim a saber, estava a mensagem do ancião, que Valentina tinha esperança de ser decifrada pela nossa anfitriã. Perguntou-lhe se ela sabia do que se tratava, ao que D. Clara respondeu muda e efusivamente que sim. Vale então pediu que nos explicasse seu significado, o que lhe foi respondido com um gesto de cabeça que parecia querer dizer que não saberia fazê-lo de maneira tão direta.
Ver a mensagem, no entanto, fez com que a clareza despertasse na mente de D. Clara, e ela, prontamente, começou a contar a história da nuvem. “Meu pai ouviu de seu pai, que de seu pai de seu pai de seu pai de seu pai de seu pai de seu pai de seu pai de seu pai ouviu…” – e contava nos dedos as gerações, buscando precisão nesta fala. Seguiu assim a relembrar as histórias do que havia quando as primeiras famílias chegaram à nuvem, os lugares que foram aparecendo à medida em que a nuvem crescia, a grande cidade glamorosa e conhecida em todo o Reino da Sublimação, que seu sublimatório abrigou, a severa geada seguida de condensação que arrasou essa mesma grande cidade, a construção de novas vilas esparsas… E contava do ponto de vista da ação, da contribuição que cada clareado deu – mesmo aqueles cujo nome nunca se registrou nos livros. Felizmente eu trazia meu gravador e, com seu consentimento, gravei sua fala.*
Observou, entretanto, que o que conhece é uma versão da história e que muitos mais registros se pode conhecer na vasta biblioteca da família Nevoeiro, que aqui aportou antes de todas e deu início à formação das vilas. A biblioteca sempre esteve aberta e à disposição de quem quer que desejasse consultá-la. Além disso, o último vivente que resta de tal família, é um grande estudioso e conhecedor da história da nuvem sob seus diversos aspectos e muito poderia contribuir com minha tarefa atual.
Mas quis o infortúnio que logo nesse ponto sua mente voltasse a esmaecer e se apagar, de modo que, quando perguntei onde poderia encontrar a ele e à biblioteca, esta boníssima senhora, apesar de um admirável esforço, não foi capaz de lembrar-se de seu nome, tampouco das indicações para o lugar onde mora. Vale ainda procurou retomar o assunto da mensagem do ancião, mas também isto revelou-se impossível: já então a conversa retomava desfiado caminho.
Ao despedir-me, inquiri D. Clara em Neve sobre as informações que me interessavam, mas ela tampouco soube me dizer. Não conhece pessoalmente o último Nevoeiro e disse que sua fama é de que raramente consegue-se encontrá-lo, pois desfruta do espírito viajante de seu mais antigo antecessor de que se tem notícia, estando sempre ocupado em viagens a nuvens distantes. Tudo isso muito me inquieta. Preciso descobrir estas informações com urgência, pois meu tempo – temo – é cada vez mais curto.
Antes de sairmos, ainda uma vez falamos sobre o assunto mais lembrado na nuvem atualmente: a chuva final. Quando nos acompanhava a tia à porta, com extrema gentileza e alguma dificuldade de movimento, respondeu-me ela à pergunta que já sabia que eu estava prestes a fazer: "Chove casa. Chove jardim. Chovo. Também eu: chovo!" e sorriu, serena.
*nota das organizadoras: a gravação que o explorador menciona neste relato não foi identificada entre o material das caixas de Nano. Mas há esperança de encontrá-lo, pois muitas das fitas encontram-se em processo de restauração.
<caligrafia de Valentina>
Alúmia, 10 de lufa de 1081
Minha barriga ficou muito feliz com o chazinho na casa das D. Claras ontem! Elas fizeram os bolos e pães mais macios de Clareada, fico feliz só de pensar neles! Aliás, pensar foi a única coisa complicada ali… essa fala de lagarta dos clareados às vezes me testa a paciência! Será possível que eles não possam falar de uma forma que pela metade da frase a gente já saiba o que eles querem dizer com a frase toda? Isso de ter que esperar eles dizerem, naquele ritmo deles, todas as palavras, todas… as… pausas… para só daí poder entender tudo, me dá muito sono. Eu até dei uma cochiladinha na mesa no começo da conversa, quase que não vejo a hora em que a D. Clarinha (a tia) viu o presente do vovôzinho e começou a contar um monte de coisas que eu sempre quis saber! Essa parte foi bem legal.
Só fiquei chateada por ela não saber o que está escrito ali… Acho que ela não é antiga o suficiente. Se ela não sabe ler, o que será que fez ela se lembrar das coisas de repente, quando olhou para essa caixinha fechada pelas mil chaves do universo? Tem alguma história a mais por trás desses presente misterioso que eu ganhei… Ainda vou descobrir o que é!
<foto instantânea: Valentina, D. Clara em Neve e D. Clara Aerada)
<desenho técnico feito por Nicodamus:
Aguano-vaporoso
Árvore baixa (2 - 3 m), com tronco escuro e tortuoso. Inflorescência branca que, na maturação do fruto dá lugar a pequeninos flocos de nuvem que são lançados na atmosfera. Vista de longe na nuvem assemelha-se a uma árvore morta, pois suas pequenas folhas são brancas como seu fruto, mesclando-se à neblina>
Gerísia, 22 de glácis de 1081
Até que enfim o Nico me deu uma folguinha nessa coisa de comparar os símbolos das línguas antigas com os da mensagem do vovozinho. É muito cansativo passar a tarde toda sentada fazendo isso! E eu tenho muitas outras coisas pra fazer…
Acabei de pensar que o guaxião-pavonim é um bicho muito vistoso. O Silguinho Sanhaço me disse que eles ficam bem mais amigáveis se a gente oferece pra eles uma granuviola doce e suculenta, bem no começo da tarde, quando ainda faz calor. Vou tentar isso já!
<volta a caligrafia de Nicodamus>
Vincúlia, 28 de glacis de 1081
Hoje estive no armazém de Luana Breve e fez-me ela irrecusável convite. Haverá, no primeiro dia do próximo mês, uma seranata de desanúvio. Trata-se de uma espécie de sarau que começa ao pôr-do-sol e pode atravessar a noite. É costume dos clareados fazer esses encontros para contar histórias e fazer rodas de música, mas precisamente este, o de desanúvio, nunca aconteceu antes. É uma ocasião para a qual cada um deles se preparou a vida toda, desde seu nascimento, criando e ensaiando em segredo um número especial para despedir-se da nuvem. Sabem que chegou o momento de fazê-lo porque será o “oitavo termis contado da giraíris” (o que descobri ser o nome do evento naturimbus que aconteceu na entrada do ano). Lamentei não ter preparado nada para contribuir, mas ela insistiu que devo ir mesmo que não me apresente, pois a presença de todos os moradores é fundamental para o propósito do encontro. Acabei por consentir em lá estar.
Também aproveitou para contar que o livro que levei para trocar por um cantil, logo que me mudei para a nuvem, já passou pelas mãos de todos que aqui vivem. Ficaram tão maravilhados com o universo ali descrito que não podiam deixar de comentar uns com os outros sobre a história, de modo que o volume, tão logo era trocado por alguma coisa no armazém, era novamente substituído por outro artigo e partia abraçado ao peito de um leitor ansioso. Não resisti à tentação de fazer o mesmo – deixei as nuvarinas e a lupa que levara para trocar por elas e levei comigo o livro (nunca se sabe: ele pode ainda me ser necessário)...
Valentina acaba de entrar em casa. Tem feito diariamente essas saídas ao cair da noite e, quando escurece de todo, entra correndo, direto ao quarto. Ali se tranca e faz tamanha algazarra que, frequentemente, tenho a impressão de que não está sozinha. Agora mesmo o barulho é tanto que já não posso me concentrar! Que manias adquire da noite para o dia!
<caligrafia de Valentina>
28 de glácis de 1081
Ai meu frio na barriga! Nunca vi um dia demorar tanto pra passar e passar tão depressa ao mesmo tempo!
Amanhã é o grande dia! Finalmente! Será que vai dar tempo?
<volta a caligrafia de Nicodamus>
Undúnia, 2 de ababalha de 1081
O sol atravessa os finos véus de Clareada, desenhando nas gotinhas de brotalho invisíveis arcos-íris, enquanto a luz, refletida pelos nancos, se espalha e multiplica pelo sublimatório. Os ventos começam a se intensificar, como é comum nesta época do ano, e produzem um aconchegante barulhinho de nuvem se desfiando. Este é o amanhecer que nos traz de volta à casa, enlevados por tudo quanto vivemos desde o pôr-do-sol de ontem. Quão doces as horas que passamos na Casa das Lendas!
Abriu a seranata D. Clara Aerada, que entrou no centro da roda carregando grande livro de folhas coloridas. Caminhava lentamente entre os presentes, à medida em que dizia palavras soltas (mais do que o costume no dialeto corrente: “Conto conto. Vou. Desapareço e sou. Sou: água, vento, luz, calor. Cor”). Em poucos segundos, já todos estavam profundamente concentrados no que dizia e que procurarei reproduzir nestas linhas.
Sentou-se na pequena cadeira que haviam arranjado para ela e, abrindo o livro, lia nele palavras invisíveis. “Antes não havia nuvem. Veio do vento, veios de água feita em ar. Ar macio, abraço morno para sementes. Brota broto, cresce tronco, balançam dedinhos dos galhos, brocado em folha. Canta, voa, corre, sobe, esconde, entoca – barulho de bicho. Um dia, pelas frestas da névoa, laranja, lilás, amarelo, vermelho – redondo espanto de onde desce homem. Percorre. Multiplica. Casa e cabana e praça e mais casa. Nuvem conhece destino. Canta canto triste e potente e frio: geada. Nada – nem casa nem cabana. Despedida. Nuvem chora escondida. Fica quem ama. Casa. Cabana. Praça. Nuvem chora um pouquinho sorrindo – tempo de nuvem, tempo sabido eterno e finito. Com clareza prepara três guias: de profundeza, de superfície, de alturas. São para o homem que fica, futuro conhecedor do destino de ser nuvem. Homem nasce, cresce, chove. Vez e outra, vez e outra. Muito! Guias estão prontos. Chega a hora.” Aqui, a pequena senhora levantou-se vigorosamente da cadeirinha. “Nuvem canta canto doce e quente: enreda pássaro e folha, roda cor.” Enquanto dizia isso, D. Clara, subitamente ágil, rodopiava em torno de si, fazendo voar em redemoinho as folhas coloridas, que ganhavam o espaço. “Giraíris planta 7 ensinamentos. Crescem: são 8 seu tempo em termis. Depois, chuva e adeus. Guia de profundezas mantém desperto. Guia de superfície avisa como-quando. Guia de alturas conta onde. Pelos 7 vão levar.” Passou então a recolher as folhas que haviam se espalhado pelo chão, cor por cor, colocando-as de volta dentro do livro. “Vincúlia, por muito amor, partiu. Gerísia, por querer criar, desapareceu. Vitális expandindo, não mais se viu. Elíris, um pouquinho em cada coração, uniu e se espalhou. Semísia, entendendo antes, deixou-se para depois. Undúnia, com este e aquele se foi. Alúmia, compreendendo, sublimou.” Já todas as cores haviam voltado para dentro do livro. “Quem agora olha, já nuvem não vê. Procura!” E folheava o livro como quem busca pela sua frase preferida. Fazendo-o em ritmo cada vez mais acelerado, começaram a soltar-se do livro as páginas e ganhar o espaço umas unidas às outras, como um grande acordeom que, aberto pelas mãos solícitas dos presentes, desenhou um caminho de cores para fora do centro da roda. D. Clara o percorria, à medida em que ia dobrando as folhas de volta para dentro das capas e dizia: “Mas ela está. Ar, veios de água, vento. Quem procura não vê. Quem confia, encontra. Água, vento, luz, calor, cor”. E tendo atravessado a roda, a boa velha abraçava ao peito o livro recomposto, os olhos comovidos se fechando lentamente.
A resposta não foi uma salva de palmas, mas algo muito mais gratificante: os clareados, em uníssono, cantaram o refrão da doce cantiga de desanúvio:
“Vou leve voo leve voar
Vou leve voo leve voar!”
Deu-se então prosseguimento à seranata, cada clareado apresentando esplendidamente números de dança, música, acrobacias, declamando poemas. Valentina não esteve menos admirável: alcançou o centro da roda levando entre as mãos algo volumoso coberto por um tecido escuro. Atrás dela, uma fila de animaizinhos, caminhando e voando: gueogartos, esquirilos, libétulas, peixarinhos… Um bando de amarelóis, excelentes cantores, voava em torno do grupo, cantando inventivos trinados. Então Vale parou. Alguns bichinhos pousaram em seus ombros, outros subiram por suas pernas. Um pequeno bando de pássaros da noite, que carregava no bico lenços do mesmo tecido escuro que trazia Valentina, embalados pelos amarelóis voavam em direção às lamparinas dos presentes e cobriam-nas uma a uma, até que mergulhássemos na mais completa escuridão. Os outros pássaros silenciaram. Uma luz intensa surgiu no centro da Casa, revelando na penumbra o rosto de minha irmã, que segurava algo que parecia ser uma grande lanterna redonda feita de tela. Com um movimento do polegar, soltou a trava que unia as duas metades da esfera e a luz que ela então continha espalhou-se entre nós na forma de inúmeros pontinhos multicoloridos! Os vaga-lumes coreografaram voo, demorando-se um pouco em torno de todos os presentes e depois, em cardume, voaram para fora da Casa. Os clareados, aos poucos, descobriram suas lanternas, iluminando no centro da roda uma Valentina exultante, que recebia os carinhos de seus parceiros de espetáculo. Ela os apresentou e agradeceu calorosamente e assim deixaram o centro da roda. Compreendi então o que ela vinha fazendo escondida em seu quarto durante os últimos meses: seguindo algumas coisas que aprendera com Tico, tinha feito amizade com os bichinhos e, convencendo-os de se apresentar, encontravam-se diariamente para os ensaios. Mais tarde, ela explicou-me que eles se animaram tanto com a proposta que o número foi uma criação conjunta e que mesmo os vaga-lumes participaram voluntariamente.
Já eu, involuntária e misteriosamente, também me apresentei, logo no início do encontro. Tendo Valentina se demorado em casa, ensaiando até o último minuto, chegamos à Casa das Lendas um tanto atrasados. Todos já lá estavam e, ao abrirmos a porta, para nós voltaram-se todos os olhares. Encabulado, procurei sorrir e, tirando o chapéu para, respeitosamente, cumprimentá-los, senti escorrerem desde o topo de minha cabeça até os ombros um sem fim de pequenas flores amarelas que não faço ideia de como foram parar dentro de meu chapéu. Ainda mais envergonhado, espanei da lapela as flores e, como tão desconfortável situação me fizesse sentir calor, abri os botões da casaca para despojar-me dela – aí então não havia como remediar: saltou-me do peito outra enxurrada amarela! Como eu estivesse paralisado de acanhamento, Valentina puxou as palmas e fui aplaudido como se tivesse propositadamente feito uma singela introdução à seranata. Por sorte, sendo todas as outras apresentações infinitamente mais dignas de nota, ao fim do encontro ninguém se lembrou de parabenizar-me pelo desempenho.
Quando todos já haviam se apresentado, abraçamo-nos em uma grande roda e, girando, cantamos na íntegra a canção do desanúvio. Fomos então nos soltando um a um do círculo, indo cada qual para sua casa, sem parar de cantar repetidas vezes a canção, mas baixando a voz suave e gradativamente até que, chegando à cabana, o canto não fosse mais do que uma vibração que percorria todo o corpo.
Registro aqui a canção completa:
Canção do Desanúvio
Bem longe
Bem longe vai
Já bem longe vai
A bruma
Não cansa
Alcança mais
Hoje se desfaz
Em chuva
E eu vou.
(2x)
Vou leve
Voo leve
Voar.
Aceno
Sereno adeus
Já me vou com os meus
Pra onde?
Eu vou.
(2x)
Vou leve
Voo leve
Voar.
<caligrafia de Valentina>
Alúmia, 3 de ababalha de 1081
Nossa, acho que eu nunca tive tanto orgulho do Nico! Dessa vez, ele me surpreendeu mesmo! Nunca achei que ele fosse se apresentar na seranata. Foi muito bonito o que ele fez com aquela cachoeira de flores tão amarelas que até pareciam lampadinhas! Parabéns, Nico!
E fiquei muito feliz porque deu tudo certo na nossa apresentação também. Saiu quase tudo como a gente tinha ensaiado. Aquela ideia que os pássaros da noite tiveram fez toda a diferença. Se não fosse a escuridão que eles criaram, os vaga-lumes não teriam brilhado tanto. O esquirilo também ficou contente! Não parava de dar os pulinhos com som de guizo dele! Também, ele estava junto desde o primeiro dia! Participou de quase todas as ideias. Só o guaxião ficou muito tímido e nervoso. Não fossem as libétulas fazendo cócegas nele antes da nossa entrada, ele não teria conseguido abrir o rabão de pelos coloridos!
Foi tudo muito emocionante! Quase chorei com a poesia que a Joana Deriva declamou. A D. Clarinha, com a história da criação, fez todo mundo se sentir nuvem! E meu coração dançou junto com o balé da Lara Leves e do Voano Quitiqui, ao som das folhas no vento e com a Brisila cantando… Ai! Aquela música linda ficou na minha cabeça até agora… Só deu um intervalo na hora que a gente cantou a Canção do Desanúvio.
Aliás, vi que o Nico esqueceu de escrever uma parte. Entre “Pra onde?” e “Eu vou”, tem esse verso:
"Distante
Aqui tão perto
Onde estou desperto
Enfim"
Até escrevi a partitura! Vou passar a limpo aqui:
<partitura da canção>
Depois da seranata, saindo da Casa das Lendas, vimos o amanhecer mais lindo que já se fez em Clareada. Passei o resto do dia passeando na nuvem pra sentir o vento. Só fui dormir outra vez quando a noite caiu! Meus parceiros de espetáculo também dormiram naquela hora e até mais tarde um pouquinho hoje, como eu. Eu estava tão contente que nem parecia, mas a gente estava precisando muito de descanso!
Agora eu vou dar uma voltinha outra vez.
<fotos: apresentações da seranata>
<volta a caligrafia de Nicodamus>
Vincúlia, 4 de ababalha de 1081
Esta manhã aconteceu-nos algo que me foi inteiramente novo!
Encaminhava-me para a casa de Seo Avoado, com quem pretendia fazer a saída de hoje, dedicada à anotação de mais algumas espécies botânicas que só existem em Clareada, quando com estranheza e alguma familiaridade senti a sola dos pés apoiarem-se sobre algo firme. De início, pensei que poderia se tratar de alguma cristalização de nuvem e passei a rodeá-la, procurando determinar suas dimensões, os passos encontrando a superfície firme, que parecia ceder e afundar minimamente, como se estivessem se esfacelando minúsculos fragmentos de matéria sob meu peso. À medida em que caminhava, percebi que me afastara muito daquele primeiro passo, mas a sensação continuava, como se estivesse caminhando sobre enorme cristalização. Mas faltava a sensação de frio intenso que normalmente se tem mesmo perto de uma pequena formação desse tipo – ao contrário: sentia até mesmo um pouco de calor.
À minha frente, o primeiro passo há muito deixado para trás, estendia-se imensurável mancha escura que apagava-se ao infinito. Não parei. Aos poucos percebi a névoa rarear e tomou-me a sensação de não ter mais a clareza de onde estava: caminhava entre grandes árvores, pesadas como as do Chão e havia em torno de mim cada vez menos substância cumular. Então já não houve dúvidas: eu estava pisando o solo! Por um instante, tive a certeza de que toda a estadia na nuvem não passara de um sonho. Mas então senti que algo se apoiava sobre meu ombro, leve como uma folha que houvesse planado no vento até ali: reconheci a mão e o risinho ruidoso de Seo Avoado.
Percebendo meu espanto e confusão, explicou-me que, de fato, estávamos no Chão. Mas que igualmente estávamos na nuvem. Testemunhávamos um evento pouco frequente, porém conhecido entre os nativos: o estabelecimento de um ponto de contato. Eis o que compreendi conversando com ele: os sublimados, como é sabido, pouco conhecem do Chão, pois qualquer viagem pode se tornar dispendiosa e longa. Viajando em balão, é preciso esperar pelos horários de partida e retorno, que, somados ao tempo de deslocamento e a possíveis atrasos, provocados por condições climáticas desfavoráveis, podem transformar qualquer viagem de três dias em uma ausência de um mês inteiro. No entanto, é-lhes possível conhecer uma ou outra parte de solo firme de maneira muito mais cômoda. Há momentos em que a nuvem toca com delicadeza algum topo de montanha e lá se deixa estar por dois ou três dias. Os sublimados aproveitam a oportunidade para uma visita ao Chão, em que podem conhecer um pouco os arredores, mesmo se dispõem de pouco tempo. Hoje encontramo-nos justamente em um ponto de contato muito popular entre eles por possuir clima ameno: é o que, no Chão, conhecemos por Pico da Neblina, montanha localizada no norte do Amazonas.
Enquanto conversávamos, outras pessoas começaram a chegar, como se todos na nuvem já soubessem do contato com o Chão e viessem curiosos se aventurar por ele. Calculei que podemos olhar para este encontro como um ato de gentileza: estando os clareados prestes a perderem sua morada, a nuvem lhes dá a chance de conhecerem outros lugares.
Entre as pessoas que se aproximavam, encontrei Joana Deriva, que trazia os olhos assustados e esfregava nervosamente as mãos junto ao peito. Estava deveras apreensiva por sentir que nos aproximávamos da chuva final. Contou que há coisa de dois anos ou pouco mais, uma nuvem próxima, Plumbelina, realizara sua chuva definitiva em violenta tempestade, colocando em risco a vida dos moradores, expostos a ventos fortíssimos e relâmpagos assustadores. Joana teme que algo semelhante se dê em Clareada. De fato, algo assim pode ocorrer – eis um dos motivos pelos quais desde o início me opus a que Valentina me acompanhasse: nada me agrada expô-la a esse risco.
Quanto à saída do dia, eu e Seo Avoado a mantivemos, mas invertemos posições: caminhamos pelo Chão, ele perguntando, eu apresentando as espécies que encontrávamos (muito embora não se possa comparar o modesto conhecimento que tenho de nossa vegetação com o saber vasto que ele possui sobre a de Clareada). Senti o coração quente, como se estivesse sendo acolhido de volta à casa materna.
<fotos: Seo Avoado, Joana Deriva, um grupo de clareados reconhecendo o terreno>
<caligrafia de Valentina>
Alúmia, 31 de ababalha de 1081
Santo pote do arco-íris! O Nico acabou de entrar todo afobado no meu quarto, coçando o chapéu sem parar e dizendo que vai chover! Até parece que é muita novidade uma garoa por aqui e... Ah! Valentina, sua filhote de tartaruguinha! Será que é o que estou pensando? Só pode ser coisa do Eliseu! Ele deve ter enviado uma mensagem com a previsão da chuva final...
Pelo vapor da minha chaleira!
Se for isso mesmo, nem vou me descabelar. Eu desconfio totalmente desses equipamentos da estação. Pensa comigo: se a chuva estivesse mesmo próxima, os clareados não estariam arrumando as malas e encaixotando as coisas pra fazer a mudança?
Será que eu devia começar a fazer isso, só para garantir?
Ai… Que saudade que eu já tenho, Clareada! Não sei se estou preparada para me despedir agora. Gosto tanto das pessoas daqui, de sair pra caminhar e pisar no macio, de sentir sempre um chuvisco no nariz. E de comer nuvarina! Se chover mesmo tudo isso…
Nossa, já estou até vendo! Na chuva final, a nuvem vai ficar com aquela cor cinza-roxa de dar medo e vai ter cantoria de vendaval, e talvez a gente seja carregado pelo vento igual às andorinhas! O Nico se preocupa muito, mas nem tem por quê… seria tão divertido! A gente ia tomar banho de chuva e pular nas poças de água e…
Será que Clareada ia fazer um escândalo com raios, trovões, aquele drama todo? Será que existe uma capa para proteger a gente de raio? Talvez seja bom mesmo conversar com o Nico sobre os planos de ir embora antes da chuva..
<volta a caligrafia de Nicodamus>
Alúmia, 31 de ababalha de 1081*
Recebi hoje uma notícia que me encontrou alegre e me põe pesaroso. É fato que não é nova, mas torna real algo que, intimamente, eu já desejava que não tivesse passado de um grande engano.
À hora do almoço, apreciava eu a vista da janela, quando nela esboçou-se uma mancha horizontal que se movia sobre um eixo central e aumentava paulatinamente de tamanho, sua cor clara misturando-se à névoa. Quando enfim decifrei a imagem, havia já pousado ao parapeito um grande gavião branco, portando em um dos pés uma pequena carta. Tratava-se de um recado enviado da estação meteorológica por Virga: conseguira determinar com precisão a data do início das chuvas que farão com que Clareada desapareça – o dia 23 de promis, que no ponto da atmosfera planetária em que então nos encontraremos, antecede de perto a primavera.
Na qualidade de cientista, considero ótima notícia – anseio pela chuva, pelo que ela pode me ensinar e pelas contribuições que testemunhá-la trarão para a ciência contemporânea. O homem é que incita outros pensamentos, muito menos racionais: não posso deixar de, a partir deste momento, sentir a falta que me farão os amigos que fiz e as maravilhas que aqui encontrei.
Basta! Não me é dado permitir que se expanda esse sentimento. É preciso espantar tal fraqueza e tomar as providências necessárias. Começo, a partir de hoje, a enviar para o Chão as amostras que colhi e os livros e objetos que trouxe ou acumulei na cabana. Conservo apenas este caderno (que é suficientemente portátil e traz apontamentos que me serão úteis), alguns pertences de uso diário e o binofotomultiscópio, onde a partir de agora começo a fazer meus registros – acredito que lá as informações fiquem mais seguras.
Recolho-me agora a um sono que, suponho, será leve e frágil como a nuvem que me carrega.
*Nota das organizadoras: os últimos relatos recuperados do diário escrito à mão datam de momentos espaçados entre si. Sentimos falta, por exemplo, de uma continuidade de registros sobre a criptoanálise da mensagem do ancião e a busca pelo último Nevoeiro. Também parece que se fala pouco dos preparativos para o momento da chuva que se aproxima. Considerando que se trata de um momento tão dramático da expedição, acreditamos que mais anotações tenham sido feitas, mas tenham se perdido junto com cadernos inteiros do diário durante a queda sofrida por Nicodamus no último dia que temos notícias suas.
<foto: mesa do café posta, com xícara com nuvem espumada>
<dupla com desenho da paisagem vista da janela, feito por Nicodamus>